Qual é a marca do terceiro governo Lula?
Depois de dois anos de tentativa de "união e reconstrução", o governo Lula caiu na real de que o slogan gratiluz não representa o sentimento geral da nação, menos ainda na relação com o congresso eleito em sua composição, nem reflete as últimas pesquisas sobre a performance da franquia de ficção petista - Lula III, em um país repleto de rachaduras e tremores nas placas tectônicas.
A pesquisa mais recente da Genial/Quaest mostra que a maior queda de aprovação do governo está entre as pessoas de renda baixa, e pela primeira vez na região nordeste, sua base eleitoral. Três fatores são apontados pelos pesquisadores para tal resultado. Primeiro, a frustração com as promessas de campanha não cumpridas. Segundo a sequência de notícias negativas, sendo a mais recente em torno do monitoramento do PIX. Terceiro, a percepção de que a economia piorou.
Mesmo com os melhores números de queda recorde do desemprego na história e de crescimento desacreditado do PIB, aumento real do salário mínimo, façanhas essas inversamente não percebidas por mais da metade da população quando se depara com os preços nas gôndolas dos supermercados e bancas das feiras, nas bombas de combustíveis, ou no endividamento desse Brasil enrolado.
Embora pesquisas sejam um recorte circunstancial, o próprio Lula incorporou os sintomas da insatisfação crescente com o seu governo em uma de suas falas na coletiva de imprensa da última semana, quando mencionou que o povo tem "razão" e que não há como a população falar bem do executivo se o governo não está entregando. A questão é: como Lula vai reagir à impopularidade apesar do seu status de figura carismática -embora ele tenha negado- pensando na reeleição?
O Lula que vimos na entrevista transparece o otimismo típico e o marketing da esperança ao responder aos repórteres, fez o aceno ao mercado reforçando o controle de gastos, fez a defesa da elevação da taxa de juros da Selic pelo seu indicado a presidência do Banco Central como sacrifício necessário, argumentou sobre a inflação dos alimentos, que está longe de ser uma marolinha, rebateu as críticas do Kassab sobre Haddad, e a tensão do estrategista por espaço na Esplanada dos Ministérios, mandou recado ao Trump numa demonstração de soberania legítima, mas fora do timing, e ao final da coletiva, a impressão de muitos analistas é a de que tudo indica que teremos uma aposta no páreo da corrida eleitoral com um provável cavalo de pau.
Sobre as emendas parlamentares, Lula respondeu dizendo que "o governo dele não tem nada a ver com as emendas", e que foi a conquista do legislativo no mandato anterior, consequência "de um governo irresponsável que não governava o país", e que agora aguarda a decisão da suprema corte, a respeito do que podemos chamar de parlamentarismo do orçamento secreto.
Desconfio que o governo Lula III tem tudo para se tornar um flashback tocado à exaustão no túnel do tempo do governo Dilma, com a mesma melodia - intervenções e controle de preços, e o uso da Petrobrás para controlar a inflação, e encontrar jeitinhos de aumentar os gastos junto com a dívida pública, que a cada meta fiscal batida só cresce!
Quem arrisca dizer que em 2026 o governo não vai abrir as turbinas da máquina pública usinada para, como disse o jornalista Carlos Andreazza, "aprovar uma PEC Kamikaze, assim como fez Bolsonaro?" O mesmo jornalista defende que o "arcabouço fiscal já nasceu morto, e que ninguém acredita na meta fiscal", e aqui aproveito para fazer um adendo anedótico - será que o Haddad também acredita a essa altura em sustentabilidade das contas públicas, com uma eleição logo ali, e a popularidade do governo em baixa?
Com a terra em transe e a esquerda em vertigem, os índices de aprovação são um alerta, não bastasse o desempenho pífio nas eleições municipais. Partido e governo não sabem mais falar com o novo proletariado que ele mesmo criou, e a direita politizou nesses anos todos, e agora se assusta, isso quando não se ressente, com quem cospe no prato assistencialista no qual comeu e exige a fartura prometida via afeto de churrasquinho no clima de sextou durante a campanha.
A picanha está salgada, a cerveja é aguada e a batata está assando.
*Wau Marquez é escritor, jornalista e apresentador do "Hortocast"
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