A imunização é um cuidado essencial que deve fazer parte do pré-natal de toda gestante. Além de evitar problemas graves de saúde em um momento em que o organismo se encontra mais vulnerável, a mulher que mantém a carteira de vacinação em dia protege seu bebê de doenças importantes, uma vez que passa seus próprios anticorpos para o feto via placenta em um processo conhecido como “imunização passiva”. Após o nascimento, o aleitamento materno segue contribuindo para o reforço da imunidade da criança.
“Os recém-nascidos possuem um sistema imunológico imaturo, que está em formação e aprendendo a responder de forma adequada às ‘agressões’ presentes no ambiente exterior ao útero. Por isso, eles são mais suscetíveis às infecções provocadas por vírus e bactérias”, explica o pesquisador científico do Laboratório de Bioquímica do Butantan, Ivo Lebrun. Ainda que os pequenos recebam diversas doses de vacina no início da vida, é só aos seis meses que a imunidade começa a ganhar robustez.
Conforme o Calendário de Vacinação preconizado pelo Ministério da Saúde, as grávidas devem receber um reforço da vacina dTpa – conhecida como tríplice bacteriana – a fim de proteger os bebês contra o tétano neonatal, a difteria e a coqueluche. Caso não estejam com as doses em dia, elas precisam atualizar o esquema de imunização contra a hepatite B e dT, além de receber os imunizantes sazonais das campanhas contra a gripe e a Covid-19.
“As mulheres que pretendem engravidar em breve podem incluir no planejamento uma avaliação completa da caderneta vacinal. Assim, terão a oportunidade de atualizar ou completar o esquema daqueles imunizantes que não são recomendados durante a gestação, como a tríplice viral e a febre-amarela”, orienta o consultor médico do Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS) e facilitador de operações do Centro de Desenvolvimento Científico do Butantan Antônio Jorge Martins.
Quando uma mulher grávida recebe uma vacina, seu sistema imunológico entra em ação para combater o “agente invasor” – ainda que o vírus ou bactéria expressado no imunizante não seja capaz de desencadear um quadro infeccioso. Em primeiro lugar, acontece a produção de anticorpos do tipo IgM, que têm ação inespecífica e promovem um primeiro ataque ao microrganismo. Cerca de uma semana depois, os índices de IgM diminuem e entram em ação as imunoglobulinas G (IgG), que carregam uma receita “específica” capaz de neutralizar o antígeno. Esse é o anticorpo que a mãe vai passar para o filho através da placenta.
O anexo embrionário desenvolvido durante a gestação é o ponto de encontro dos sistemas circulatórios materno e fetal – essa troca metabólica permite o desenvolvimento de funções que o feto ainda não é capaz de realizar de maneira independente dentro do útero. Como em uma espécie de “transfusão”, a placenta leva para o bebê – por meio do cordão umbilical – oxigênio, nutrientes e outras substâncias essenciais para o seu desenvolvimento; ao mesmo tempo, também elimina resíduos, como monóxido de carbono, ácido úrico e ureia, dispensados na corrente sanguínea da mãe.
Mesmo possuindo um alto peso molecular, os anticorpos do tipo G (IgG) presentes no organismo da gestante são capazes de atravessar a barreira placentária e alcançar a circulação fetal. O transporte acontece por um processo chamado de transcitose: quando uma célula capta, movimenta e secreta uma determinada molécula. Estima-se que o transporte ativo de imunoglobulina G comece a partir da 13ª semana, se estendendo por toda a gestação. Após os seis meses de vida, a criança já começa a produzir o seu próprio IgG.
Uma hipótese é que os anticorpos IgG produzidos pela imunização da mãe também possam ser mobilizados para o leite materno, garantindo assim um reforço imunológico para o bebê mesmo após o parto. “Como a vascularização na região das glândulas mamárias é grande, uma das possibilidades é que o anticorpo seja captado da circulação sanguínea materna em um processo parecido com o que acontece na placenta. Assim, quando a criança mama, recebe também os anticorpos”, sugere Ivo Lebrun.
A partir de então, a alternativa é que essas moléculas passadas de mãe para filho através do leite seguem para o trato gastrointestinal. “Como no início da vida a digestão no intestino não é tão ácida, a substância não seria degradada, mas sim absorvida, caindo na corrente sanguínea do bebê”, completa o pesquisador do Laboratório de Bioquímica do Butantan.
Durante a pandemia de Covid-19, um estudo conduzido pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) indicou a presença de anticorpos capazes de neutralizar o SARS-CoV-2 no leite de colaboradoras lactantes imunizadas com a CoronaVac. As amostras indicaram uma alta concentração de anticorpos após as mulheres receberem a segunda dose do imunizante – os níveis se mantiveram altos mesmo após meses de amamentação.
O leite materno – principalmente o colostro, líquido denso e amarelado, produzido pelo organismo da mulher logo após o parto – também possui altas concentrações de anticorpos IgA, um tipo de imunoglobulina que protege as mucosas respiratórias e gastrointestinais da ação de microrganismos. “Quando ingeridas, essas moléculas criam uma espécie de barreira capaz de impedir que vírus e bactérias se fixem nos tecidos da região e atravessem a mucosa. É como se os tecidos estivessem revestidos por uma espécie de ‘verniz’ que faz os agentes invasores ‘escorregarem’ até serem eliminados pelas fezes”, exemplifica Antônio Jorge.
Não à toa, o leite materno é considerado a primeira “vacina” do bebê. Produzido “sob medida” pelo organismo da mãe, o alimento fortalece o sistema imunológico, diminui os riscos de obesidade, diabete, diarreia e de infecções respiratórias. Pensando justamente em reforçar a importância do aleitamento exclusivo até os seis meses de vida, desde 1992 o mês de agosto marca a realização de diversas ações em prol do tema. No Brasil, a iniciativa, apoiada pelo Ministério da Saúde, ganhou o nome de Agosto Dourado em alusão ao padrão ouro de qualidade do alimento.
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