
Foi exatamente esse o sentimento ao analisar o recente Relatório Anual de Direitos Humanos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que, em meio a tantas questões nacionais - como o autoritarismo do Judiciário, os riscos à Democracia e o antissemitismo -, dedicou um capítulo nominal à violência policial arbitrária. O documento aponta o dedo para as feridas abertas pela Operação Escudo de 2023 - deflagrada pelo governo paulista na Baixada Santista, citando a atuação da Rota e as inegáveis violações de direitos que ocorreram.
Não quero negar a dor nem os abusos de ambos os lados. Como defensor dos Direitos Humanos, sou o primeiro a afirmar que cada excesso, cada vida ceifada sem o devido processo legal, é uma derrota para o Estado de Direito. Contudo, é preciso pensar além do óbvio e questionar as lentes que guiaram a elaboração deste relatório. Até que ponto a voz da administração Trump, com seus conhecidos interesses geopolíticos, ecoa nesse texto?
O documento tropeça em suas próprias contradições. Ao mesmo tempo, em que condena, com razão parcial, a violência da resposta policial, ele parece ignorar a audácia e a brutalidade do crime organizado que a motivou. É como criticar o remédio amargo sem entender a gravidade da doença.
O relatório expõe uma suposta lassidão das autoridades contra o tráfico, mas, paradoxalmente, ataca a operação desenhada para combatê-lo. Essa dualidade sugere que o objetivo talvez não seja uma análise isenta, mas a construção de uma narrativa que sirva a outros propósitos.
Seria ingenuidade não enxergar a possibilidade de que este documento seja uma peça em um tabuleiro maior, uma justificativa prévia para futuras sanções ou para o agravamento de tarifas contra o Brasil. A seletividade com que aliados políticos da atual gestão americana foram poupados de críticas semelhantes reforça a desconfiança de que a régua dos Direitos Humanos é, por vezes, uma ferramenta de pressão política e econômica.
O que a equipe em Washington parece desconhecer é a complexa realidade brasileira, onde a impunidade se tornou uma violação inaceitável e sistêmica aos Direitos Humanos. Em um cenário onde facções criminosas se armam com fuzis e controlam territórios com punho de ferro, a ação policial é empurrada para um limite extremo. Não, a solução nunca será combater a barbárie com mais barbárie. Não se combatem fuzis com rosas, é verdade, mas a resposta tampouco pode ser um Estado que permite sua autoridade legal e entrega seus cidadãos à própria sorte.
O relatório americano, com sua visão superficial, nos presta um desserviço. Ele ignora as causas profundas da nossa violência, a falência de políticas públicas de longo prazo e a angústia de uma sociedade que clama por Segurança e Justiça. Ele nos julga sem verdadeiramente nos enxergar.
Cabe a nós rejeitar o complexo de vira-lata de aceitar diagnósticos estrangeiros como verdades absolutas. Que este relatório, ainda que enviesado, sirva de espelho. Não para aceitarmos a imagem distorcida que ele projeta, mas para nos forçar a encarar nossas próprias contradições e buscar, com nossas próprias mãos e mentes, os caminhos para uma Segurança Pública que seja, ao mesmo tempo, eficiente e humana.
A esperança por um futuro mais justo não pode ser acesa por relatórios de gabinete, mas pela nossa incansável luta diária aqui, em nosso chão.